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sexta-feira, 6 de novembro de 2009
domingo, 11 de outubro de 2009
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
qual é o nome disso que você faz?
Alice Daquet (ex-Nouvelle Vague) - (...) De qualquer das formas, mesmo que não tivessem lançado os meus discos teria continuado a fazer esta música, e a fazer o que faço agora, as performances, os vídeos, as fotografias. Lançarem os meus discos é apenas a parte industrial do meu trabalho. Estou a viver da minha arte desde há alguns anos, como é que me poderia queixar?
André Gomes/Bodyspace - Como é que te sentes por teres a oportunidade de fazer arte do princípio do dia ao seu fim? Tens outras actividades não artísticas de relevo, para além da rotina diária?
Não, até mesmo o dia-a-dia parece uma aventura. Comprar tomates poder-me-ia fazer pensar muito! Eu não diria que a minha vida é arte, apenas continuo a pensar constantemente em novos projectos e às vezes gostaria de desligar o meu cérebro.
Tendes a misturar música com performance, body art, pesquisa sonora. A música por si mesma não é suficiente para ti? Precisas de a confrontar com outras realidades?
Eu apenas faço as coisas em que estou a pensar e devo ter muitas coisas para dizer porque eu faço muitas coisas. Estou a trabalhar noutros projectos media, mas a música permanece como uma parte importante do meu trabalho, sozinha ou dentro de outro projecto. Por exemplo, eu escrevo a parte musical ou faço o desenho do som do meu vídeo por mim mesma e é uma parte importante da peça. Baixo profundo, ruído louco, ritmo, voz, as palavras dizem mais do que a imagem em si. Tenho sorte de ter a oportunidade de fazer tudo, assim posso ir mais longe, ser mais profunda, mais louca...
Alguma vez separas a performance da própria música? Ou para ti são apenas duas caras do mesmo conceito?
Já fiz performances sem música e música tocada por ensembles de música contemporânea ou escrita para coreógrafos. Não estou sempre em palco para fazer performances. Não defendo nenhum tipo de particularidade na arte, sou uma intelectual exigente do caralho e defendo muitas coisas, mas aqui tenho de aceitar que não posso desenhar um conceito que diga respeito à parte media da minha arte. É difícil desenhar um conceito na própria arte; por isso, se começamos a formalizar a forma como a fazemos, é melhor parar... De outro modo, não estou pela multimédia, acho que é uma forma falsa de definir alguém, e os artistas precisam de pertencer a alguma coisa, ou o público falar acerca do que viram ou perceberem o que se passou. É inútil. Para resumir: just do it . . .
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
sábado, 3 de outubro de 2009
intuição
"A única coisa que eu posso dizer é que eu fui levado a fazer o filme, que essas imagens vieram até mim e eu não as questionei. Minha única defesa é: 'Perdoem-me por eu não saber o que eu faço.' Eu sou a pessoa errada a ser questionada sobre o que o filme significa ou porque ele é como ele é. É um pouco como perguntar a uma galinha sobre a canja de galinha." (Lars Von Trier)
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
teratonia no braço

O artista cipriota Stelarc, criador do conceito de que o corpo é obsoleto, faz performances em que é suspenso por ganchos - como essa bastante espiritualista acima - e ligado a alguma invenção robótica sua. Em 2007, Stelios Arcadiou (seu nome de nascença) causou polêmica ao cultivar uma prótese de orelha humana por meio de cultura celular e depois implantá-la em seu braço esquerdo com uma cirurgia, depois de anos procurando um médico que aceitasse fazê-la. Ele foi o primeiro e único homem a utilizar esta técnica até hoje.




A seguir, ele pretende implantar um microfone para captar e gravar tudo o que a orelha do braço escuta.
ousado

Martin Creed (1968) é um artista escocês que trabalha com arte conceitual e ganhou o Turner Prize en 2001.
Martin Creed
Work No. 600
2006
35 mm film transferred to DVD
Installation at 'Big Dogs' MC, Los Angeles
domingo, 20 de setembro de 2009
"Quatro vezes David Lynch"
Por Ruy Gardnier, da revista virtual Contracampo
1. A Mulher Que Faz os Sinais
No começo de Twin Peaks, Os Últimos Dias de Laura Palmer, uma mulher emite signos através de movimentos do corpo e peças de roupa. Ela deve informar dois detetives a respeito de um caso em andamento numa pequena cidade do noroeste dos Estados Unidos, próxima de Twin Peaks. O modo como a cena é filmada impressiona, tanto pela sua extensão como pela relação que mantém com o espectador: nada é reconhecido, todas as pistas que são dadas não podem ser identificadas por aquele que assiste ao filme. Essa cena pouco revela acerca do andamento do filme inteiro. Mas ao contrário nos revela uma das portas principais para entrarmos no mundo de David Lynch: um mundo em que o signo vale como signo e não mais como coisa a ser representada, um mundo em que o valor de um signo é irredutível a um ou alguns significados. A mulher dos sinais informa os detetives; eles sabem ler alguns dos signos. Mesmo esses poucos compreendíveis jamais serão utilizados. A prova, o indício, o instrumento necessário para o desenvolvimento da obra e para o percurso da busca policial (grande parte dos filmes de Lynch pertence ao gênero policial, à sua maneira) estão sempre deslocados em relação à sua efetividade. É só lembrarmos de todas as provas que o Agente Especial Dale Cooper corre atrás, de todos os recursos a que recorre e que jamais serão utilizados. A prova não serve para o detetive bonzinho achar o criminoso; serve para o diretor brincar com o espectador. É, em muitos aspectos, uma lógica da armadilha. Pode-se achar que isso só vale para Estrada Perdida, mas esse filme serve sobretudo como a afirmação absoluta desse princípio. A lógica vale igualmente para grande parte dos filmes anteriores (exclui-se apenas O Homem Elefante).
2. You'll never have me
E mesmo assim David Lynch não deve ser considerado, como ainda se insiste em se fazer até hoje, como um formalista. Ao contrário, se seus filmes pedem sempre um apuro, um auteurismo, é em função do mundo complexo que ele tem a nos oferecer. Poderíamos acreditar apressadamente que essa ausência de sentido é pura afetação. Mas não se trata disso: trata-se sempre em David Lynch de filmar a própria ausência como manifestação de uma outra coisa. Se na lógica da armadilha a imagem que vem à cabeça é a da mulher dos sinais, na lógica da ausência é o final de Os Últimos Dias de Laura Palmer. Laura, Dale Cooper e o anão olham para fora da tela, com um sorriso ao mesmo tempo perverso e apaixonado. Aquilo para que eles olham, bem entendido, jamais será mostrado. Assim como a fascinação do olhar de Kyle MacLachlan em Veludo Azul ou a poderosa dominação que toda figura feminina tem em seus filmes — é sempre a irrupção violenta de uma presença que poderá ser fatal (e acabará sendo). Essa esfera daquilo que não pode ser mostrado, daquilo que ao mesmo tempo fascina e assusta (o sexo em Veludo Azul, o poder em Duna, o 'black lodge' em Twin Peaks, o nexo do sentido em Estrada Perdida), é a dimensão do fora-da-tela, a dimensão do irrealizável, do avassalador acaso que pode destruir com o mundo em que se vive (Fred e Renée em Estrada Perdida). E há as figuras destruidoras, terrificantes: o mystery man que invade a casa de Fred e Renée, Dennis Hopper em Veludo Azul, Bob em Twin Peaks. Há um destino que o personagem lynchiano vislumbra e deseja, mas que ao mesmo tempo não consegue evitar de repudiar. Há um elemento propriamente trágico na obra de David Lynch: a relação do personagem com o tempo — não tenha dúvidas, ele derruba tudo.
3. Às vezes um vento sopra e os mistérios do amor têm livre curso
Até aqui pintamos o universo de um cineasta cerebral e mecânico, como bem faria perceber Estrada Perdida. Mas parece que se fôssemos por esse caminho deixaríamos de compreender muita coisa de sua obra (inclusive o próprio filme). Michel Chion, talvez o maior especialista da obra lynchiana, considera que o sucesso de Estrada Perdida tenha eclipsado uma parte importante da composição interna de cada filme: o amor. Trata-se, isso sim, do grande desencadeador de tudo, é aquilo que está na base de cada minuto de sua obra. Aliás, é só na oposição com o amor que esse destino terrível e indeterminado da ausência de sentido pode funcionar. Porque é preciso resguardar um lugar para o amor, deve-se tentar afastar, purificar o destino — tarefa que sempre será tentada e nunca conseguida em seus filmes (as vitórias no cinema de David Lynch só são aparentes). Daí o papel tão estranho de Paul Atreides em Duna: não é um herói, não grita, não luta — é apenas um bom moço (o rosto de Kyle MacLachlan exige) que espera a chegada de seu destino. Duna é um filme sem ação não é à toa. Se o destino opera um papel tão importante em seus filmes, é porque os personagens não podem esperar dele senão a sua melhor realização: o amor (aí entendido como "ambiente perfeito"). Os filmes de Lynch são sempre uma busca pelo amor. Sailor e Lula em Coração Selvagem, Laura Dern e MacLachlan em Veludo Azul, o próprio Merrick em O Homem Elefante não buscam outra coisa. A melhor imagem para representar essa lógica do amor é uma metáfora musical, a obra de Julee Cruise, para quem Lynch fez letras, fez um vídeo e produziu um disco. Podemos até nos remeter ao Industrial Symphony no.1 para tudo ficar mais claro. Por trás de um ambiente forte, pesado, com o poderoso som dos instrumentos de construção fezendo um barulho insuportável, surge a música acolhedora mas dissonante de Angelo Badalamenti, orquestrador. Julee Cruise acolhe (amor), mas nunca consegue superar o destino (a dissonância, o barulho dos instrumentos de construção), porque se lhe é fechada a porta abre-se uma janela.
4. Lynch game-master do universo da arte
Um cinema que apela mais para os sentidos do que para uma "lógica" ou para uma narratividade stricto sensu deve saber levar a sério seu jogo. Quer-se dizer com isso: um cinema sensualista deve controlar à exaustão todos as suas formas de manifestação: imagem, som, montagem, cenografia — tudo deve transmitir a sensação de que estamos em outro mundo, um mundo que se mantém por seu alto poder de sedução. Daí ser possível pensar em David Lynch como uma atualização do conceito wagneriano de obra-de-arte-total, mas devidamente purgado de todos os problemas político-filosóficos de Wagner e do germanismo do final do século XIX. Porque a obra-de-arte-total de Lynch vai mais no sentido de uma experiência do que no da "voz de um povo" ou no clamor originário da raiz de uma nação. A lógica de Lynch como autor é uma lógica da instalação, aí encarada em seu sentido contemporâneo de arte: um lugar em que novas percepções de tempo e espaço devem ser experimentadas. E, de fato, todas as suas obras se compõem como músicas mais do que como filmes. Os personagens são mais "temas" do que interiorizações psicológicas (em Lynch existe sempre um fator místico que ultrapassa o psicológico — Tarkovski — ou um fator visual que reduz a psicologia — Hitchcock). O que está em jogo, mais uma vez, são as potencialidades de expressão. Uma arquitetura e disposição de interiores não naturalista — o quarto de Fred e Renée, o 'black lodge' de Twin Peaks... —, uma música que traduz à maravilha seu universo (como não aproximar Elizabeth Fraser ou Julee Cruise do universo do amor e Roy Orbison e Rammstein do universo da indizível violência?), uma arregimentação de dados culturais heterogêneos para compor um ambiente híbrido (a estufa e o hotel do seriado Twin Peaks, a casa que exibe num telão imagens de um filme pornô em Estrada Perdida, hibridização entre corpos (a posição-X de Sailor e Lula em Coração Selvagem, Pete e Alice fazendo amor no deserto em Estrada Perdida) ou entre corpo e objeto (o morto que tem a cabeça ligada à mesa transparente em Estrada Perdida, Paul Atreides guaindo um verme gigante em Duna). Lynch parece agregar todas as formas de arte ao seu métier. Ao contrário do que fez um Greenaway ou um Terence Davies, não se trata de tornar o cinema erudito (e um tanto mole, diríamos) através de referências da História da Arte ou de uma elegância herdada de um 'bom gosto refinado' de outrora. Ao contrário, a única coisa que é traduzida das outras artes é a experiência, a arte trazida à tela somente enquanto possibilidade de experiência e nada mais. Lynch é menos um esteta do que um provocador: o que importa para ele é o discurso valoroso com o futuro e não à volta às belas artes do passado. David Lynch pode ser considerado um artista "renascentista", no sentido do artista ser versado em mais de uma arte, mas apenas numa única acepção: tudo que ele faz converge para o cinema e é por ele aproveitado. A pintura, a escultura, a instalação não servem senão como objeto cinematográfico. Eis a moral do cineasta em David Lynch.
1. A Mulher Que Faz os Sinais
No começo de Twin Peaks, Os Últimos Dias de Laura Palmer, uma mulher emite signos através de movimentos do corpo e peças de roupa. Ela deve informar dois detetives a respeito de um caso em andamento numa pequena cidade do noroeste dos Estados Unidos, próxima de Twin Peaks. O modo como a cena é filmada impressiona, tanto pela sua extensão como pela relação que mantém com o espectador: nada é reconhecido, todas as pistas que são dadas não podem ser identificadas por aquele que assiste ao filme. Essa cena pouco revela acerca do andamento do filme inteiro. Mas ao contrário nos revela uma das portas principais para entrarmos no mundo de David Lynch: um mundo em que o signo vale como signo e não mais como coisa a ser representada, um mundo em que o valor de um signo é irredutível a um ou alguns significados. A mulher dos sinais informa os detetives; eles sabem ler alguns dos signos. Mesmo esses poucos compreendíveis jamais serão utilizados. A prova, o indício, o instrumento necessário para o desenvolvimento da obra e para o percurso da busca policial (grande parte dos filmes de Lynch pertence ao gênero policial, à sua maneira) estão sempre deslocados em relação à sua efetividade. É só lembrarmos de todas as provas que o Agente Especial Dale Cooper corre atrás, de todos os recursos a que recorre e que jamais serão utilizados. A prova não serve para o detetive bonzinho achar o criminoso; serve para o diretor brincar com o espectador. É, em muitos aspectos, uma lógica da armadilha. Pode-se achar que isso só vale para Estrada Perdida, mas esse filme serve sobretudo como a afirmação absoluta desse princípio. A lógica vale igualmente para grande parte dos filmes anteriores (exclui-se apenas O Homem Elefante).
2. You'll never have me
E mesmo assim David Lynch não deve ser considerado, como ainda se insiste em se fazer até hoje, como um formalista. Ao contrário, se seus filmes pedem sempre um apuro, um auteurismo, é em função do mundo complexo que ele tem a nos oferecer. Poderíamos acreditar apressadamente que essa ausência de sentido é pura afetação. Mas não se trata disso: trata-se sempre em David Lynch de filmar a própria ausência como manifestação de uma outra coisa. Se na lógica da armadilha a imagem que vem à cabeça é a da mulher dos sinais, na lógica da ausência é o final de Os Últimos Dias de Laura Palmer. Laura, Dale Cooper e o anão olham para fora da tela, com um sorriso ao mesmo tempo perverso e apaixonado. Aquilo para que eles olham, bem entendido, jamais será mostrado. Assim como a fascinação do olhar de Kyle MacLachlan em Veludo Azul ou a poderosa dominação que toda figura feminina tem em seus filmes — é sempre a irrupção violenta de uma presença que poderá ser fatal (e acabará sendo). Essa esfera daquilo que não pode ser mostrado, daquilo que ao mesmo tempo fascina e assusta (o sexo em Veludo Azul, o poder em Duna, o 'black lodge' em Twin Peaks, o nexo do sentido em Estrada Perdida), é a dimensão do fora-da-tela, a dimensão do irrealizável, do avassalador acaso que pode destruir com o mundo em que se vive (Fred e Renée em Estrada Perdida). E há as figuras destruidoras, terrificantes: o mystery man que invade a casa de Fred e Renée, Dennis Hopper em Veludo Azul, Bob em Twin Peaks. Há um destino que o personagem lynchiano vislumbra e deseja, mas que ao mesmo tempo não consegue evitar de repudiar. Há um elemento propriamente trágico na obra de David Lynch: a relação do personagem com o tempo — não tenha dúvidas, ele derruba tudo.
3. Às vezes um vento sopra e os mistérios do amor têm livre curso
Até aqui pintamos o universo de um cineasta cerebral e mecânico, como bem faria perceber Estrada Perdida. Mas parece que se fôssemos por esse caminho deixaríamos de compreender muita coisa de sua obra (inclusive o próprio filme). Michel Chion, talvez o maior especialista da obra lynchiana, considera que o sucesso de Estrada Perdida tenha eclipsado uma parte importante da composição interna de cada filme: o amor. Trata-se, isso sim, do grande desencadeador de tudo, é aquilo que está na base de cada minuto de sua obra. Aliás, é só na oposição com o amor que esse destino terrível e indeterminado da ausência de sentido pode funcionar. Porque é preciso resguardar um lugar para o amor, deve-se tentar afastar, purificar o destino — tarefa que sempre será tentada e nunca conseguida em seus filmes (as vitórias no cinema de David Lynch só são aparentes). Daí o papel tão estranho de Paul Atreides em Duna: não é um herói, não grita, não luta — é apenas um bom moço (o rosto de Kyle MacLachlan exige) que espera a chegada de seu destino. Duna é um filme sem ação não é à toa. Se o destino opera um papel tão importante em seus filmes, é porque os personagens não podem esperar dele senão a sua melhor realização: o amor (aí entendido como "ambiente perfeito"). Os filmes de Lynch são sempre uma busca pelo amor. Sailor e Lula em Coração Selvagem, Laura Dern e MacLachlan em Veludo Azul, o próprio Merrick em O Homem Elefante não buscam outra coisa. A melhor imagem para representar essa lógica do amor é uma metáfora musical, a obra de Julee Cruise, para quem Lynch fez letras, fez um vídeo e produziu um disco. Podemos até nos remeter ao Industrial Symphony no.1 para tudo ficar mais claro. Por trás de um ambiente forte, pesado, com o poderoso som dos instrumentos de construção fezendo um barulho insuportável, surge a música acolhedora mas dissonante de Angelo Badalamenti, orquestrador. Julee Cruise acolhe (amor), mas nunca consegue superar o destino (a dissonância, o barulho dos instrumentos de construção), porque se lhe é fechada a porta abre-se uma janela.
4. Lynch game-master do universo da arte
Um cinema que apela mais para os sentidos do que para uma "lógica" ou para uma narratividade stricto sensu deve saber levar a sério seu jogo. Quer-se dizer com isso: um cinema sensualista deve controlar à exaustão todos as suas formas de manifestação: imagem, som, montagem, cenografia — tudo deve transmitir a sensação de que estamos em outro mundo, um mundo que se mantém por seu alto poder de sedução. Daí ser possível pensar em David Lynch como uma atualização do conceito wagneriano de obra-de-arte-total, mas devidamente purgado de todos os problemas político-filosóficos de Wagner e do germanismo do final do século XIX. Porque a obra-de-arte-total de Lynch vai mais no sentido de uma experiência do que no da "voz de um povo" ou no clamor originário da raiz de uma nação. A lógica de Lynch como autor é uma lógica da instalação, aí encarada em seu sentido contemporâneo de arte: um lugar em que novas percepções de tempo e espaço devem ser experimentadas. E, de fato, todas as suas obras se compõem como músicas mais do que como filmes. Os personagens são mais "temas" do que interiorizações psicológicas (em Lynch existe sempre um fator místico que ultrapassa o psicológico — Tarkovski — ou um fator visual que reduz a psicologia — Hitchcock). O que está em jogo, mais uma vez, são as potencialidades de expressão. Uma arquitetura e disposição de interiores não naturalista — o quarto de Fred e Renée, o 'black lodge' de Twin Peaks... —, uma música que traduz à maravilha seu universo (como não aproximar Elizabeth Fraser ou Julee Cruise do universo do amor e Roy Orbison e Rammstein do universo da indizível violência?), uma arregimentação de dados culturais heterogêneos para compor um ambiente híbrido (a estufa e o hotel do seriado Twin Peaks, a casa que exibe num telão imagens de um filme pornô em Estrada Perdida, hibridização entre corpos (a posição-X de Sailor e Lula em Coração Selvagem, Pete e Alice fazendo amor no deserto em Estrada Perdida) ou entre corpo e objeto (o morto que tem a cabeça ligada à mesa transparente em Estrada Perdida, Paul Atreides guaindo um verme gigante em Duna). Lynch parece agregar todas as formas de arte ao seu métier. Ao contrário do que fez um Greenaway ou um Terence Davies, não se trata de tornar o cinema erudito (e um tanto mole, diríamos) através de referências da História da Arte ou de uma elegância herdada de um 'bom gosto refinado' de outrora. Ao contrário, a única coisa que é traduzida das outras artes é a experiência, a arte trazida à tela somente enquanto possibilidade de experiência e nada mais. Lynch é menos um esteta do que um provocador: o que importa para ele é o discurso valoroso com o futuro e não à volta às belas artes do passado. David Lynch pode ser considerado um artista "renascentista", no sentido do artista ser versado em mais de uma arte, mas apenas numa única acepção: tudo que ele faz converge para o cinema e é por ele aproveitado. A pintura, a escultura, a instalação não servem senão como objeto cinematográfico. Eis a moral do cineasta em David Lynch.
the caretaker

104 mulheres, fora duas marionetes e uma papagaia, interpretam uma carta de rompimento que a artista francesa Sophie Calle recebeu, do seu então namorado Gregoire Bouille, e dão forma à dor da artista. 'Cuide de você', exposição que ocorreu na Bienal de Veneza, em 2007, na França, no Canadá, nos Estados Unidos & no SESC Pompeia, em São Paulo, reuniu interpretações textuais, traduções da carta em braile, código Morse, estenografia, código de barras e outras linguagens gráficas, além de retratos de cantoras e atrizes atuando, e filmes que registram interpretações-performance da carta.
"Recebi uma carta de rompimento.
E não soube respondê-la.
Era como se ela não me fosse destinada.
Ela terminava com as seguintes palavras: “Cuide de você”.
Levei essa recomendação ao pé da letra.
Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão,
para interpretar a carta do ponto de vista profissional.
Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la.
Entendê-la em meu lugar. Responder por mim.
Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.
Uma maneira de cuidar de mim."
(Sophie Calle)
O E-MAIL
Sophie
Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último e-mail. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito.
Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a “quarta”. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as “outras”, não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas.
Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e “generoso”, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a escrita seria um remédio, que meu “desassossego” se dissolveria nela para encontrar você.
Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as “outras”. E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar.
Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.
Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.
Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único.
Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.
Cuide de você.
G
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
inversão
Rachel Whiteread, nas duas obras a seguir, utiliza a "técnica" da inversão, esculpindo com gesso o negativo, a não-matéria, o vazio. A primeira obra é numa sala de um memorial do holocausto, e trata-se de tudo que não era livro ou estante em estantes de livros que o nazismo tinha em sua lista negra. A segunda chama-se 'Room 101'. A sala 101 era uma sala mencionada no livro '1984', do George Orwell. Naquela distopia criada, o máximo de tortura que a máquina do Grande Irmão poderia proporcionar era dentro da sala 101. Mais do que torturas horríveis, como colocar o rosto do personagem principal, Winston, engatado a um cano onde foram soltos ratos famintos, e Winston tinha fobia severa a ratos. Mais do que qualquer tortura era correr o risco de ser levado para a sala 101, da qual se ouvia falar muito, mas não se sabia o que ocorria "lá dentro". As aspas são porque muito provavelmente a sala nem existisse, de fato, na história. Essa sala existiu na vida real, era uma sala da BBC onde Orwell trabalhou, e Orwell odiava o serviço público. Quando soube que o prédio da BBC que continha a sala iria ser demolido, Rachel apressou-se em pedir para fazer esse molde de gesso. Então, esculpir todo o conteúdo da sala significou dar forma a todo esse medo, a toda essa opressão, essa tortura psicológica, mais uma vez não vista, já que a escultura parece ser maciça. 'Room 101' encontra-se em um museu da Inglaterra, numa sala onde estão réplicas das grandes obras de arte que a Inglaterra não conseguiu roubar, segundo o professor Charles Watson.



segunda-feira, 14 de setembro de 2009
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
John Cage strikes-back
"O problema é que o que guia você a fazer aquilo que você faz é isso, aquilo ou aquilo outro. Raramente o que guia você a fazer aquilo que você faz é nada - que é o que deveria ser."
"Eu posso criar sem saber nada sobre o que eu estou fazendo, e o estranho é que isso me agrada; e o mais estranho ainda é que isso agrada outras pessoas também. É muito engraçado. Parece que não há nada que eu possa fazer com aquilo que eu sei."
"Eu posso criar sem saber nada sobre o que eu estou fazendo, e o estranho é que isso me agrada; e o mais estranho ainda é que isso agrada outras pessoas também. É muito engraçado. Parece que não há nada que eu possa fazer com aquilo que eu sei."
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
figuras impossíveis
IN 1958, Lionel and Roger Penrose published a paper announcing their discovery of impossible figures, (Penrose & Penrose, 1958). These impossible figures formed a new class of visual illustrations, specifically demonstrating a foible in human perception of dimensionality in representations. If we are given a conflicting but balanced mix of visual clues, our logic in two-dimensional representations becomes overwhelmed, and we can easily be fooled about what is possible or likely in three dimensions. The rendered object, on the one hand, looks right; but on the other hand, our intuition tells us that something must be wrong and signals us to use our minds. Our faulty senses always win.
TEMPERFAKTOR
Eduardo Bichinho+Fernando Bakos
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sábado, 15 de agosto de 2009
redondo ou...
Fantástica descrição da Wire Magazine - na lista de 150 Sonic Essentials and Aural Obscurities - para o Oval, projeto eletrônico alemão encabeçado por Markus Popp (foto abaixo) que é um dos cinco principais da avant-electronica: "Disturbing the smooth flux of electricity with tone poems wrung from scratched CDs. Serious head damage."

Existe uma seção do site da Wire Magazine só de listas, tanto as de melhores dos anos quanto algumas de todos os tempos, como por exemplo a lista mencionada acima, que é a menção mais completa que eu já vi do tudo o que é de fato importante para o apreciador de música... teratônica.

Existe uma seção do site da Wire Magazine só de listas, tanto as de melhores dos anos quanto algumas de todos os tempos, como por exemplo a lista mencionada acima, que é a menção mais completa que eu já vi do tudo o que é de fato importante para o apreciador de música... teratônica.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
+ 3 aulas de mr. lynch
"Quando se observa um prédio antigo ou uma ponte enferrujada, sabe-se que a natureza e o homem trabalharam juntos. Quando se pinta o prédio, a magia desaparece. Mas se ao prédio é permitido envelhecer, homem e natureza se unem então em trabalho - isso é muito orgânico. Mas em geral as pessoas não se interessam em permiti-lo."
"Algumas vezes as pessoas dizem que não conseguiram entender um filme, mas na verdade entendem muito mais do que percebem. E isso acontece porque todos somos abençoados pelo dom da intuição; nós temos realmente o dom de intuir as coisas. Embora alguém possa dizer que não entende de música, a maioria a vivencia emocionalmente e há de concordar que ela é uma abstração. Não preciso traduzi-la com palavras, basta ouvi-la. O cinema é muito parecido com a música."
"Todos nós enxergamos o mesmo mundo, mas temos idéias distintas sobre o que está acontecendo. O mesmo acontece num filme. Quanto mais abstrato, maior é a diferença de interpretações. Então é assim que funciona. O filme é o mesmo, mas os espectadores são diferentes, então o filme vai trazer à tona mais e mais coisas diferentes à medida que se torna mais abstrato."
"Algumas vezes as pessoas dizem que não conseguiram entender um filme, mas na verdade entendem muito mais do que percebem. E isso acontece porque todos somos abençoados pelo dom da intuição; nós temos realmente o dom de intuir as coisas. Embora alguém possa dizer que não entende de música, a maioria a vivencia emocionalmente e há de concordar que ela é uma abstração. Não preciso traduzi-la com palavras, basta ouvi-la. O cinema é muito parecido com a música."
"Todos nós enxergamos o mesmo mundo, mas temos idéias distintas sobre o que está acontecendo. O mesmo acontece num filme. Quanto mais abstrato, maior é a diferença de interpretações. Então é assim que funciona. O filme é o mesmo, mas os espectadores são diferentes, então o filme vai trazer à tona mais e mais coisas diferentes à medida que se torna mais abstrato."
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
o peso

"El peso es para mí un valor esencial; no es que sea más atractivo que la ligereza, pero sencillamente sé más sobre lo pesado que sobre lo ligero, y por tanto tengo más cosas que decir sobre ello, más que decir sobre …, los efectos psicológicos del peso, más que decir sobre los constantes y minuciosos reajustes del peso, más que decir sobre el placer derivado de la exactitud de las leyes de la gravedad." (Richard Serra, escultor)
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