quinta-feira, 29 de outubro de 2009

alan kaprow & os generalistas



"A arte ocidental tem na verdade duas histórias, dentro do avant-garde: uma da 'artlike art' e outra da 'lifelike art'. Para simplificar, a 'artlike art' defende que a arte é separada da vida e de tudo o mais, enquanto que a 'lifelike art' defende que a arte é conectada à vida e a tudo o mais. Em outras palavras, há uma arte a serviço da arte e uma arte a serviço da vida. Os fazedores da 'artlike art' tendem a ser especialistas; os da 'lifelike art', generalistas. A 'artlike art' avant-garde ocupa a maioria da atenção dos artistas e do público. Ela é geralmente vista como séria e parte de uma tradição arte-histórica ocidental vigente, na qual a mente é separada do corpo, o indivíduo é separado das pessoas, a civilização é separada da natureza; e 'cada arte' é separada da 'outra'. A 'artlike arte' basicamente acredita (ou não nega) a continuidade dos gêneros tradicionalmente separados – artes visuais, música, dança, literatura, teatro etc. A 'lifelike art' avant-garde, em contrapartida, diz respeito a uma intermitente minoria (futuristas, dadaístas, happeners, fluxartistas, Earthworkers, body artists, provos, artistas postais, ruidistas, poetas performáticos, artistas xamânicos, conceitualistas)." (KAPROW, Allan. The real experiment. 1983.)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Êxtase



Sunn 0)))
Corsica Studios, Londres
22/02/2009


Há quem experimente drogas, quem se imole, quem medite para tentar encontrar uma paz interior, a que muitos chamam "deus". E há quem atinja esse estado de espírito (ou do que lhe quiserem chamar) através do som. John Cage procurou o silêncio. Sentou-se numa sala à espera de não ouvir absolutamente nada. O som, contudo, estava sempre lá. Acompanhava-o para onde quer que fosse. A partitura vazia não equivalia ao silêncio. Esse era uma ilusão. O que Cage devia ter procurado era algo completamente diferente. Era o vazio através do som total, um tal caos que deixa de ser caos e que, quando visto ao longe, se torna ordem. Isto não é uma crítica a um concerto. Isto é uma declaração de um buraco negro que se abriu no planeta numa destas noites.

No passado domingo, ao entrar nos Corsica Studios, numa zona suspeita de Londres, a sensação imediata foi a de que algo estava errado quando vi os Sunn O))) na Casa da Música. Não são uma banda para se ver num espaço convencional. O caminho deve ser traçado numa sala deste género: muito pequena, completamente negra, onde qualquer direcção indica um amplificador. Particularmente no palco. Muitos amplificadores. A wall of sound nunca fez tanto sentido. É uma parede de amplificadores.



Não há como negar o receio daquilo que pode vir a acontecer aos ouvidos. Aliás, por essa mesma razão o bar distribui tampões de borla. Com um aviso em várias paredes: "não nos responsabilizamos por estragos permanentes". O óbvio.

Stephen O'Malley e Greg Anderson entram em palco. Trajam os habituais robes ao estilo monástico, empunham uma garrafa de vinho cada, pegam nas guitarras que se encontram em cima dos amplificadores. Alguém, claramente sob o efeito de psicotrópicos, grita "só a morte é real". Os restantes, sóbrios e sérios, riem-se. E é aí que tudo começa. Por mais de hora e meia, os dois homens em palco, auto-intitulados Sunn O))), "tocaram". Tocaram nas guitarras, sim, literalmente. Mas o verbo tocar aqui não faz sentido. É a Criação, por breves momentos. Fechar os olhos e ouvir o que vinha do palco permitia escutar para lá do que realmente estava a acontecer. A primeira camada era só uma fachada, a porta de entrada para quem simplesmente quer ouvir barulho. É nas restantes coberturas sonoras que se encontra o significado de tudo isto. Era como ouvir a formação de um novo mundo e as nascentes de novos rios e mares, oceanos a serem gerados, o sexo entre sóis e luas, suado, trepidante, incandescente e, acima de tudo, maravilhoso. Por baixo de tudo isso, os pássaros que nascem e cantam, as vozes que se ouvem nas bocas fechadas de todos os presentes, mas principalmente, de quem não se encontra na sala. Por baixo de tudo isso, é o verdadeiro Acontecimento. O palco não importa nada. O que importa são as vibrações que nos puxam e que nos levam a uma entidade comum.

O tremer da pele e da carne diz-nos que não estamos ali. Nós não somos os corpos que estão de pé numa sala muito pequena, completamente negra, repleta de amplificadores num certo armazém da capital inglesa. Nós já não estamos ali. É uma viagem ao interior uns dos outros, quando deixamos de viver e passamos a formar um só ser. (...) As duas guitarras acabaram a noite suspensas, sozinhas, sem que o som vindo delas terminasse. Alguém dizia no início: "isto é o século XXI". Sim, é isto o século XXI. Há quem diga que é a banda sonora para o Apocalipse. Muito pelo contrário.

Tiago Dias



sexta-feira, 16 de outubro de 2009

ideias

"Se os legisladores se recusam a considerar poemas como crimes, então alguém precisa cometer os crimes que funcionem como poesia, ou textos que possuam a ressonância do terrorismo. Reconectar a poesia ao corpo a qualquer preço. Não crimes contra o corpo, mas contra Ideias (& Ideias-dentro-das-coisas) que sejam letais & asfixiantes. Não libertinagem estúpida, mas crimes exemplares, estéticos, crimes por amor." (Hakim Bey)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

installation art

"Instalação difere da mídia tradicional (escultura, pintura, fotografia, vídeo) porque ela endereça o fruidor diretamente como uma presença literal no espaço. Instalação pressupõe um fruidor 'embodied' cujos sentidos de toque, olfato e som têm um peso tão grande quanto seu sentido de visão. Ao invés de representar textura, espaço, luz e assim por diante, a instalação apresenta esses elementos diretamente para a nossa experiência. Isso introduz uma ênfase no imediato sensorial, em participação física (o fruidor deve caminhar dentro e ao redor do trabalho)." (Claire Bishop)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

barulho

Caderno Vida, ZH, sábado, 07/01/2006, p. 3.

Acordes do bem e do mal
A PRESSÃO SANGÜÍNEA é mais afetada pela exposição a níveis elevados de barulho de forma contínua do que por estrondos esporádicos

O barulho faz adoecer, a música cura. (...) Os sons desarmônicos, desagradáveis e confusos, procedentes de máquinas, motores e da atividade humana ou de alguns fenômenos naturais, afetam negativamente o corpo e a mente, chegando a produzir lesões e transtornos nos sistemas cardiovascular e nervoso, sobretudo quando são de alta intensidade e contínuos. (...)

***

"O poder oculto da música."

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

as melhores performances do fluxus

(Segundo a minha opinião.)


Opus 23 - [Determine uma data.] Sente-se das 19h00 às 20h03 (determine o fuso) e pense nas pessoas em todo o mundo que podem estar fazendo esta performance. (Eric Andersen, 1961)

Choice 3 - Um piano está no palco. O performer entra usando um capacete. Ele toma a maior distância possível do piano. Ele bate com a cabeça no piano com a maior velocidade possível. (Robert Bozzi, 1966)

Cheers - Conduza um grande número de pessoas até a casa de um desconhecido. Bata na porta. Quando alguém abrir a porta, a multidão aplaude e saúda de forma vigorosa. Todos vão embora em silêncio. (Ken Friedman, 1965)

Fluxus Television - Pinte programas e imagens no vidro da televisão. (Ken Friedman, 1966)

Orchestra - Uma orquestra de "tocadores de toca-discos". (Ken Friedman, 1967)

Empaquetage pour Christo - Um objeto modesto é empacotado [na nossa linguagem, ele é tornado monstro]. (Ken Friedman, 1967)

Loss - Perca ferramentas ou objetos úteis. (Ken Friedman, 1971)

White Tooth Workshop - Escova seus dentes usando uma escova diferente para cada dente. (Ken Friedman, 1989)

Stage Fright Event - (...) Somente as pernas do joelho para baixo devem estar visíveis. (...) (Ken Friedman, 1991)

Bird Call - Telefone para um passarinho. Se você não conhece nenhum passarinho que tenha telefone, dê um telefonema em que você faça sons de passarinho. (Ken Friedman, 1992)

Magic Trick #2 - Caminhe no palco com uma marreta, um ovo e um pequeno gravador. Coloque o ovo num lado do palco. coloque o gravador no outro lado. Pressione play no gravador. Caminhe de volta até o ovo. Pegue a marreta e esmague o ovo. Sente e espere. Depois de 15 segundos, o gravador toca o som de uma galinha. (Ken Friedman, 1993)

Fall - Atire coisas difíceis de serem jogadas por serem leves. (Lee Helfin, data desconhecida)

Ice Trick - Passe um pedaço de gelo entre os membros do público enquanto toca sons de fogo ou enquanto há algum fogo real no palco. A peça termina quando o gelo derrete completamente. (Lee Helfin, data desconhecida)

Street Cleaning Event - Os atores estão vestidos de branco como técnicos de laboratório. Eles vão a um local selecionado na cidade. Uma área de calçada é designada para o evento. A calçada é limpa meticulosamente com objetos e produtos que não são usadas para limpeza de rua, como pasta-de-dente, escova-de-dente, cotonetes com álcool, bolas de algodão, esponjas, guardanapos etc. (Hi Red Center, data desconhecida)

From Twelve Lectures about the Same Thing or Bartenders Who Have no Wings - Ato seis: uma garota linda está nua. Depois de algum tempo ela se dá conta de que está nua e fica sem jeito. (Dick Higgins, 31 de maio de 1966)

Lessons - Telefone para um número qualquer e pergunte o nome da pessoa que atender. Telefone para um conhecido e peça pelo nome obtido na primeira ligação. (Davi Det Hompson, 1969)

Dog Symphony - Cães são permitidos no público. A orquestra é equipada com apitos para cães. Ao sinal do maestro, o apito é assoprado e tocado enquanto os cachorros latem. (Joe Jones, data desconhecida)

Calls, Canto 6 (Letter) - Abra um envelope vazio com as duas mãos e fale alto dentro dele. Então feche-o rapidamente e envie-o para alguém. (Bengt Af Klintberg, dezembro de 1965/junho de 1966)

Party Event - Mande convites para todos os seus amigos - exceto um deles - com o seguinte conteúdo: festa verde roupas verdes. E mande para um deles: festa vermelha roupas vermelhas. (Bengt Af Klintberg, 1967)

Cat - Pegue um gato. (Milan Knizak, 1965)

Killing the Books - Com tiro, queimando, afogando, cortando, colando, pintando etc. (Milan Knizak, 1965-1970)


Micro 1 - Enrole um microfone com um pedaço de papel muito grande. Faça um pacote apertado. Mantenha o microfone ligado por mais cinco minutos. (Tekehisa Kosugi, data desconhecida)

Mechanical Fluxconcert - Microfones são colocados na rua, fora das janelas ou escondidos no meio do público. O som é amplificado. (Richard Maxfield, data desconhecida)

Laundry Piece - Para entreter seus convidados, traga o cesto de roupas sujas e explique a eles sobre cada item. Quando e como ele ficou sujo e por quê etc. (Yoko Ono, 1963)

Prelude - Amarre os assentos das poltronas do público aos seus encostos antes da performance. (Nam June Paik, data desconhecida)

Dragging Suite - Arraste com uma corda, pelas ruas e escadas: bonecas pequenas ou grandes, bonecas vestidas ou peladas, bonecas quebradas, sujas ou novas, homens e mulheres reais, instrumentos musicais etc. (Nam June Paik, data desconhecida)

Moving Theather - Uma frota fluxus de carros e caminhões transita na cidade durante a hora do rush. Num momento determinado, todos os motoristas param os carros, desligam os motores, saem dos carros, trancam as portas e saem caminhando. (Nam June Paik, data desconhecida)

Nap - Prepare uma cama na mesa da sala. Preferivelmente a mesa onde se come. Tire uma sesta nela. (Willem De Ridder, 1964)

Sanitas No.2 - O auditório ou teatro deve ser escuro. Performers jogam pequenos objetos no público, como moedas ou brinquedos, e tentam encontrar esses objetos usando lanternas. (Tomas Schmit, data desconhecida)

Sanitas No.35 - Folhas em branco são mostradas ao público sem nenhuma explicação. Por cinco minutos. (Tomas Schmit, data desconhecida)

Sanitas No.165 - O público está sentado em cadeiras não-numeradas, então pede-se a eles que corrijam o engano trocando, por exemplo, da primeira fila para a última etc. (Tomas Schmit, data desconhecida)

Spatial Poem No.1 - Escreva uma palavras ou algumas palavras num cartão de papel e coloque-o em algum lugar. Por favor, diga para mim a palavra e o lugar que eu vou editar o mapa-mundi. (Mieko Shiomi, 1965)

Smoke Poem - Material: cigarros, isqueiros, canetinhas finas. Cada voluntário no público escreve num cigarro o nome de alguém que odeia ou por quem não tem simpatia. No caso de não haver nenhuma pessoa assim, ele pode escrever o nome de um peixe. Então todos fumam ao mesmo tempo. (Mieko Shiomi, 1966)

Music for Two Players - Numa peça fechada, passem duas horas em silêncio. (Podem fazer qualquer coisa, menos emitir sons com a voz.) (Mieko Shiomi, 1963)

Event for the Late Afternoon - À tardinha, suspenda um violino com uma corda comprida do terraço de um edifício até ele quase encostar no chão. (Mieko Shiomi, 1963)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

qual é o nome disso que você faz?



Alice Daquet (ex-Nouvelle Vague) - (...) De qualquer das formas, mesmo que não tivessem lançado os meus discos teria continuado a fazer esta música, e a fazer o que faço agora, as performances, os vídeos, as fotografias. Lançarem os meus discos é apenas a parte industrial do meu trabalho. Estou a viver da minha arte desde há alguns anos, como é que me poderia queixar?

André Gomes/Bodyspace - Como é que te sentes por teres a oportunidade de fazer arte do princípio do dia ao seu fim? Tens outras actividades não artísticas de relevo, para além da rotina diária?

Não, até mesmo o dia-a-dia parece uma aventura. Comprar tomates poder-me-ia fazer pensar muito! Eu não diria que a minha vida é arte, apenas continuo a pensar constantemente em novos projectos e às vezes gostaria de desligar o meu cérebro.

Tendes a misturar música com performance, body art, pesquisa sonora. A música por si mesma não é suficiente para ti? Precisas de a confrontar com outras realidades?

Eu apenas faço as coisas em que estou a pensar e devo ter muitas coisas para dizer porque eu faço muitas coisas. Estou a trabalhar noutros projectos media, mas a música permanece como uma parte importante do meu trabalho, sozinha ou dentro de outro projecto. Por exemplo, eu escrevo a parte musical ou faço o desenho do som do meu vídeo por mim mesma e é uma parte importante da peça. Baixo profundo, ruído louco, ritmo, voz, as palavras dizem mais do que a imagem em si. Tenho sorte de ter a oportunidade de fazer tudo, assim posso ir mais longe, ser mais profunda, mais louca...

Alguma vez separas a performance da própria música? Ou para ti são apenas duas caras do mesmo conceito?

Já fiz performances sem música e música tocada por ensembles de música contemporânea ou escrita para coreógrafos. Não estou sempre em palco para fazer performances. Não defendo nenhum tipo de particularidade na arte, sou uma intelectual exigente do caralho e defendo muitas coisas, mas aqui tenho de aceitar que não posso desenhar um conceito que diga respeito à parte media da minha arte. É difícil desenhar um conceito na própria arte; por isso, se começamos a formalizar a forma como a fazemos, é melhor parar... De outro modo, não estou pela multimédia, acho que é uma forma falsa de definir alguém, e os artistas precisam de pertencer a alguma coisa, ou o público falar acerca do que viram ou perceberem o que se passou. É inútil. Para resumir: just do it . . .

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

sábado, 3 de outubro de 2009

intuição



"A única coisa que eu posso dizer é que eu fui levado a fazer o filme, que essas imagens vieram até mim e eu não as questionei. Minha única defesa é: 'Perdoem-me por eu não saber o que eu faço.' Eu sou a pessoa errada a ser questionada sobre o que o filme significa ou porque ele é como ele é. É um pouco como perguntar a uma galinha sobre a canja de galinha." (Lars Von Trier)